terça-feira, 26 de novembro de 2013

O Crime, o Poder e o Voto





O Crime, o Poder e o Voto


Por Caius Brandão


      Depois do Mensalão, o escândalo Cachoeira mais uma vez descortinou os bastidores da política partidária brasileira. Esta realidade desnudada é o que se tem em comum entre os dois lados do debate acerca do voto nulo, seja a favor ou contra. Mas nem sempre, realidades reveladas traduzem-se em realidades estudas e compreendidas. Entretanto, o fato continua existindo e produzindo seus efeitos, mesmo que alheio à percepção crítica dos envolvidos. Antes de nos digladiarmos em entorno do sim ou do não sobre o voto nulo, sugiro que voltemos nossas atenções ao problema que temos em comum: a falência da democracia representativa no Brasil. 


      O modelo teórico de democracia adotado pelo Estado brasileiro pressupõe a participação indireta dos cidadãos no poder civil, por meio da representação outorgada pelo voto aos políticos profissionais. Isso significa que delegamos aos partidos políticos o nosso poder de legislar, bem como, o de fiscalizar o Executivo. Esse modelo de poder civil pretende contemplar os anseios modernos de liberdade, o que significa construir um Estado que administre a coisa pública, enquanto os seus cidadãos possam cuidar de suas vidas privadas, sem interferências do governo. Assim, teoricamente, o cidadão brasileiro seria livre, porque pode cuidar de si e de sua família todos os dias de suas vidas, com exceção dos domingos de eleições, quando o mínimo de participação na administração da coisa pública é exigido pelo Estado. Ele o exige porque a legitimidade do poder delegado pelo povo aos políticos profissionais está fundamentada nesta participação mínima, isto é, no voto.


      Além da ‘participação’, podemos também buscar compreender este modelo pela via da ‘representação’ exercida pelos políticos profissionais. Na teoria, os partidos políticos deveriam representar as vontades e ideais de parcelas da população. As parcelas mais numerosas, quando garantidas por eleições livres e universais, devem governar e legislar por meio de seus representantes, ou seja, os políticos dos partidos mais votados. A representação é como uma procuração que o eleitor passa ao seu candidato, que terá o poder de fazer com que o Estado faça valer a sua vontade e os seus ideais voltados ao bem comum. Esse ‘contrato’ é materializado pelo voto. Sem o voto, não há contrato e sem o contrato não há representação. Logo, caso um político assuma o poder sem o consentimento da maioria, este poder será ilegítimo e não deve ser respeitado.



      Devemos, todavia, criticar esse modelo de democracia ao passarmos do plano teórico ao prático, porque a realidade nua e crua é a de que, na prática, conseguimos corromper o modelo teórico em seus alicerces com as crises de participação e representação. O cidadão brasileiro sabe que participa muito pouco do cuidado com o bem público e que os partidos políticos não representam as suas vontades e ideais. São os mais ricos, aquele 1% muito bem observado pelo Occupy Wall Street, em suas respectivas jurisdições, que determinam a vontade e os ideais dos chamados ‘representantes do povo’. O brasileiro reconhece esses dois fenômenos de crise, mas por não considerar sequer a possibilidade de um modelo de poder civil diferente deste único que conhece, ele se vê então aprisionado num círculo vicioso produzido pelas crises de participação e representação, que se retroalimentam e evoluem numa espiral cada vez mais ampla.



      A força de influência e domínio do capital na política partidária de todo o Brasil não é uma mais novidade para o povo. Em Goiás, onde a máfia alastra seus tentáculos entre os mais ricos e se apodera parcialmente do aparelho de Estado, o governador é investigado por indícios de ter se beneficiado pessoalmente do esquema mafioso. Inúmeros Secretários e auxiliares de primeiro escalão de governo são acusados de instalarem uma rede criminosa no governo para beneficiar contraventores de jogos ilegais e empresas interessadas em fraudar licitações. Também existem denúncias de que um esquadrão da morte teria sido implantado pela Polícia Militar, que seria responsável por homicídios e desaparecimentos. O cenário de fragilização das instituições democráticas é estarrecedor. A maior parte dos Goianos assiste inerte aos espetáculos de denúncias contra os seus agentes públicos.



      Ademais, a suposta rede montada pelo mafioso atingiu de cheio o Ministério Público de Goiás. O poder Judiciário goiano tem hoje um procurador processado judicialmente por suspeitas de pertencer à quadrilha do mafioso. Trata-se de um ex-senador da República, cassado pelo Congresso Nacional por seu suposto envolvimento no esquema, o qual se alastrou por todos os três poderes constituídos, inclusive o legislativo goiano. A atual inércia dos políticos goianos para investigar o Executivo estadual revela cumplicidade e má-fé. Vários deputados e vereadores de Goiás são conhecidos como aliados políticos do ‘empresário’ mafioso. Alguns deles ainda estão sendo investigados.



      A possibilidade de uma rede criminosa ter se instalado no aparelho do governo do Estado de Goiás, só existe porque o povo goiano não participa, ou participa muito pouco, da administração do bem público, mas também porque os seus ‘representantes’, mesmo que eleitos democraticamente, na verdade, nunca o representaram politicamente, quando teriam inúmeras vezes quebrado o contrato que fizeram com os cidadãos goianos para fazer negociatas com mafiosos.



      Mas o que fazer diante de uma crise em que o cidadão, já posto distante do poder de decidir e fiscalizar, não se interessa mais pela política e perdeu significativamente a confiança que tinha nos partidos que regem a política partidária no país?






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